Bandas de música de S. Cipriano
Reproduz-se, a seguir, um artigo sobre as bandas de música de S. Cipriano de minha autoria, escrito para o Jornal de Resende (edição de Novembro passado), tendo como título: "A Nova" e "A Velha" de S. Cipriano: não morrem de amores, mas não podem viver uma sem a outra.
Na época de Natal, ambas realizam uma festa/convívio para sócios e familiares na Casa do Povo. Embora “A Nova” ultrapasse “A Velha” em número de sócios, conseguindo juntar mais pessoas, ninguém assume qual a que reúne mais adeptos na freguesia. Em S. Cipriano, embora todos sejam “ferrenhos” de uma ou de outra, sobressai o orgulho por ambas.
Pequeno historial
A primitiva banda de S. Cipriano foi criada no longínquo ano de 1840 por iniciativa, ao que tudo indica, do P. António Pinto Monteiro, pároco da freguesia. Reinava então a rainha D. Maria II. Depois de uma época conturbada, vivia-se agora alguma tranquilidade. Seis anos antes, em 1834, tinha sido assinada a Convenção de Évora Monte, que pusera termo às guerras liberais entre os partidários de D. Miguel e D. Pedro IV.
Passados alguns anos, o regente da banda emigrou para o Brasil, tendo-a deixado entregue a um amigo. Quando regressou uns anos mais tarde, quis retomar a regência, mas o amigo não esteve pelos ajustes. Perante a desfeita, resolveu criar uma nova banda, gerando com isso divisões, levando à saída de alguns elementos da banda originária. Decorria então o ano de 1881 (Cf. 1970, Joaquim Costa-Monografia de Resende, CM de Resende).
Ainda hoje, há quem considere que as duas bandas tiveram início nesta última data, visto ambas serem originárias da banda formada em 1840. A maioria assume, contudo, que “A Velha” foi criada em 1840 e “A Nova” em 1881, pois a primitiva banda nunca acabou. As respectivas designações (“A Nova” e “A Velha”) é que tiveram lugar no ano do “cisma”, ou seja, em 1881.
Viagem ao presente
Após a descida do Montemuro, em velocidade moderada, devido ao denso nevoeiro que se colava às ervas e arbustos, cheguei, como combinado, às 21h, à Casa do Povo. Deparei-me com jovens, carregando instrumentos musicais, que se dirigiam com o maestro d’ ”A Velha” para uma sala um tanto austera e desconfortável, onde iria decorrer um ensaio naquela sexta-feira. Pouco depois, chegou o presidente da direcção, Henrique Francisco, que é o coordenador da distribuição postal de Resende. Revelou-se um conversador nato. O diálogo decorreu sobre chuva intensa, numa sala da cave, onde têm lugar os ensaios da escola de música. Estava também presente o Sr. José Pinto, tesoureiro da banda e presidente da direcção da Casa do Povo. Com 78 anos, é a história viva da banda, pois é músico desde os doze anos e pertence aos órgãos directivos há trinta.
No dia seguinte, sábado, às 21h45, ao aproximar-me do pavilhão pré-fabricado, onde funcionou a tele-escola, já eram bem audíveis os sons dos vários instrumentos. Decorria então o ensaio da orquestra d’ “ A Nova”, numa sala sem condições para o efeito. A conversa com o presidente da comissão administrativa, António José Pereira Cardoso, teve lugar no pequeno átrio de entrada, sendo “obrigado” a escrevinhar em cima do assento de uma cadeira. Tinha preparado um pequeno dossiê, que me entregou após nos cumprimentarmos. Construtor civil, está nos antípodas da imagem que habitualmente temos desta classe empresarial. Pareceu-me um homem discreto e muito preocupado quanto à veracidade dos factos e exactidão dos dados e números.
Elementos comuns
Ambas as bandas apostam na formação de crianças e jovens. Mantêm, por isso, escolas de música, sendo ambas subsidiadas pela Câmara Municipal por igual montante mensal (€100,00). O ensino é gratuito, assumindo as bandas todas as despesas com a aquisição de instrumentos e fardas. Como curiosidade, refira-se que os monitores integram as respectivas bandas e frequentam cursos de música em estabelecimentos da especialidade, fora do concelho.
Vocacionadas para determinadas públicos e eventos específicos, autonomizaram orquestras ligeiras, sendo cada uma constituída por cerca de 20/25 elementos.
Muitos dos alunos das escolas de música e todos os componentes das orquestras integram as respectivas bandas, que nos habituámos a apreciar nas festas e romarias das nossas aldeias. O número de executantes anda à volta de cinquenta, variando as idades entre os 9 e os 70 anos. Cerca de metade é constituída por estudantes.
O número de contratos/saídas é equivalente: cerca de 30 por ano. Fazendo-se valer dos seus pergaminhos e qualidade, nenhuma festa é ajustada por menos de €2.000,00. Em Agosto, este valor pode chegar aos €2.500,00 e mesmo aos €3.000,00.
Relativamente às ajudas de custo, pagas aos músicos nestas deslocações, o intervalo dos respectivos montantes é semelhante: varia entre os €15,00 e os €50,00.
Ambas as bandas têm dificuldade em manter as contas equilibradas. Torna-se, por vezes, necessário o recurso a empréstimos de sócios ou gente amiga. As despesas são muitas: aquisição de fardamento, instrumentos musicais e partituras, seguros, subsídios a maestros, transportes, arranjos de material, manutenção das escolas de música, gastos com o autocarro, entre outras. Para lhes fazer face, cada banda só pode contar com as receitas dos contratos/saídas para festas, quotas dos associados e pequenos donativos. À excepção da Câmara Municipal que tem concedido a cada uma um subsídio à volta de €5.500,00/€6.500,00, não tem havido qualquer outra entidade oficial que tenha puxado os cordões à bolsa para este efeito.
Bandas de música de S. Cipriano-2.ª parte
Música no feminino
Desde há cerca de 30 anos que “A Velha” integra elementos femininos. Pelo seu pioneirismo na região, chegou a causar algum espanto nas festas e romarias onde actuava. A chegada do género feminino à “Nova” aconteceu uns anos mais tarde. Actualmente, “A Velha” tem dez raparigas e “A Nova” nove. Senhoras casadas não se encontram. Se o namoro leva à desistência de algumas raparigas, o estado de casada parece incompatível com a continuação nas bandas, à excepção de uma senhora que, por enquanto, continua n' "A Velha".
Protocolo para evitar “fugas” entre bandas
Quezílias entre colegas e incompatibilidades com os maestros foram responsáveis, no historial das bandas, por mudanças de “camisola”. Esta questão foi sempre um factor de perturbação no relacionamento entre as duas colectividades. Para tentar ultrapassar este problema, graças aos bons ofícios do Sr. P. Abel Costa, pároco da freguesia, foi assinado, em 2003, um protocolo que dificulta o ingresso numa banda em caso de desistência da oura. Desde aquela data, isto só poderá acontecer quando decorridos dois anos consecutivos após a saída.
Instalações e sede
Após o 25 de Abril de 1974, a comissão administrativa da Casa do Povo, cujas instalações são originárias da Sociedade de Beneficência de S. Cipriano, propôs a ambas as bandas a cedência de um espaço para os ensaios, tendo “A Velha” aceitado. Pelo contrário, “A Nova” apenas lá teria efectuado dois ou três ensaios, vindo a desistir por motivos desconhecidos. De acordo com outra versão, esta banda nem sequer teria sido convidado para o efeito.
“A Velha”, que anteriormente ensaiava num palheiro, está adstrita desde 1977 à Casa do Povo, enquadrada formal e juridicamente pela Associação da Banda de Música da Casa do Povo de S. Cipriano “A VelhA”. Refira-se que o espaço cedido, tal como todo o restante edifício, estão a necessitar de obras de fundo.
“A Nova”, presentemente a ensaiar no pavilhão da antiga tele-escola, aguarda para daqui a um ano a conclusão de um edifício, financiado em 70% pela Administração Central e em 30% pela Câmara Municipal, cujo orçamento ronda os 150 mil euros. É um sonho antigo, cuja concretização deve muito ao empenhamento do actual elenco camarário.
PUBLICADO POR MARINHO BORGES;
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